Alto Comissário: "Os direitos humanos têm o poder universal de levar as pessoas à acção"
Declaração do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Volker Türk, durante a 58.ª sessão do Conselho de Direitos Humanos em Genebra.

Senhor Presidente,
Excelências,
Distintas delegadas, distintos delegados,
O sistema internacional está a passar por movimentos tectónicos, e a estrutura de direitos humanos que construímos com tanto esforço ao longo de décadas nunca esteve sob tanta pressão.
Hoje, assinalamos o terceiro aniversário da invasão em larga escala russa na Ucrânia – num momento de aumento das baixas civis, destruição contínua e indiscriminada de áreas urbanas e especulação sobre a trajectória da guerra.
Qualquer paz sustentável deve estar ancorada nos direitos, necessidades e aspirações do povo ucraniano, na responsabilização e nos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional.
As decisões tomadas hoje – se promovem justiça ou impunidade – moldarão o que virá.
Em Israel e no Território Palestiniano Ocupado, onde o sofrimento tem sido insuportável, reitero o meu apelo para uma investigação independente das graves violações do direito internacional, cometidas por Israel nos seus ataques em Gaza, bem como pelo Hamas e outros grupos armados palestinianos.
Qualquer solução sustentável deve basear-se na responsabilização, justiça, direito à autodeterminação, bem como nos direitos humanos e dignidade de israelitas e palestinianos. Qualquer sugestão de forçar pessoas a deixarem as suas terras é totalmente inaceitável.
Senhor Presidente, Excelências,
Para além da Ucrânia e de Gaza, conflitos e crises estão a dilacerar comunidades e sociedades, do Sudão à República Democrática do Congo, Haiti, Myanmar e Afeganistão.
As tensões sociais aumentam à medida que desigualdades e injustiças geram ressentimento, muitas vezes direccionado a pessoas refugiadas, migrantes e outras em situação de maior vulnerabilidade. De forma perversa, o um por cento mais rico controla mais riqueza do que a maioria da humanidade.
A crise climática é uma catástrofe de direitos humanos, destruindo vidas e meios de subsistência. Os seus impactos em cascata, na segurança alimentar, migração, saúde, energia e água, ameaçam os direitos humanos agora e para as futuras gerações, especialmente para mulheres e raparigas.
Enquanto isso, as tecnologias digitais são amplamente mal utilizadas para suprimir, limitar e violar os nossos direitos através de vigilância, ódio, desinformação, assédio e discriminação. A Inteligência Artificial traz uma nova velocidade e escala a estas ameaças. A fragmentação das plataformas de redes sociais em canais de auto-selecção que servem o seu público contribui para o isolamento dos indivíduos.
E, em alguns sectores, os direitos humanos estão a ser evitados, vilipendiados e distorcidos.
Este é o cenário contra o qual o meu Escritório e o ecossistema mais amplo de direitos humanos, incluindo este Conselho, estão a trabalhar para promover e salvaguardar os direitos de todas as pessoas, em todos os lugares.
No ano passado, por exemplo, o meu Escritório contribuiu para a libertação de mais de 3.000 pessoas detidas arbitrariamente. Participámos em cerca de 11.000 missões de monitorização de direitos humanos; observámos quase 1.000 julgamentos e documentámos cerca de 15.000 situações de violações de direitos humanos em todo o mundo.
Além das intervenções diárias com os governos, emitimos cerca de 245 declarações, destacando preocupações com os direitos humanos em cerca de 130 países.
As nossas equipas locais estão a apoiar os países na melhoria das suas leis, instituições e na adopção de políticas sociais e económicas que reforcem a coesão e combatam a injustiça.
Excelências,
Desde a adopção da Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de retrocessos, fizemos um progresso constante. As liberdades expandiram-se, sobretudo para comunidades oprimidas. Desenvolveu-se um entendimento generalizado de que os direitos humanos são a base de uma governação eficaz, de políticas económicas sólidas e da coesão social.
Hoje, não podemos dar este entendimento básico como garantido.
O consenso global sobre direitos humanos está a desmoronar-se sob o peso de autoritários e oligarcas. Segundo algumas estimativas, os autocratas agora controlam cerca de um terço da economia mundial – mais do dobro de há 30 anos.
As lideranças citam segurança nacional e luta contra o terrorismo para justificar violações graves. A hipocrisia, a duplicidade de critérios e a impunidade também tiveram um papel importante. As potências regionais que são neutras ou hostis aos direitos humanos estão a crescer em influência.
Mas os direitos humanos – desde o direito à alimentação e à habitação condigna até os direitos à saúde, à educação e à liberdade de expressão – são para todas as pessoas.
Precisamos de um grande esforço de todas as pessoas para garantir que os direitos humanos e o Estado de Direito continuem a ser a base das comunidades, sociedades e relações internacionais.
Caso contrário, o cenário será muito perigoso.
Nos séculos anteriores, o uso irrestrito da força pelos poderosos, os ataques indiscriminados a civis, as transferências forçadas de população e o trabalho infantil eram comuns. Ditadores podiam ordenar crimes atrozes que levavam grandes quantidades de pessoas à morte.
Fiquem atentos: isso pode acontecer novamente.
Mas estamos longe de não ter o que fazer para impedir isso.
As nossas ferramentas são a Carta das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos; o conjunto de leis internacionais; e as instituições que trabalham para implementá-las - incluindo este Conselho, o meu Gabinete, tribunais e judiciários, sociedade civil, jornalistas independentes e defensores dos direitos humanos em todo o mundo.
Excelências, distintas delegadas e distintos delegados,
Hoje, precisamos de uma visão alternativa. Precisamos da política da sabedoria, baseada em factos, na lei e na compaixão.
Em primeiro lugar, os direitos humanos são sobre os factos.
É por isso que o meu Escritório está a monitorizar, documentar e relatar violações e abusos em zonas de guerra e crises em todo o mundo.
Na minha Actualização Global, na próxima semana, darei detalhes. Para além da Ucrânia e do território ocupado da Palestina, os exemplos incluem a República Democrática do Congo, Myanmar, Sudão e Síria, onde o meu Escritório tem documentado abusos e soado o alarme há muitos anos.
Ou o Afeganistão, onde relatamos o impacto do apartheid de género sobre mulheres e raparigas.
Ou o Haiti, onde a minha equipa relatou o impacto devastador dos fluxos ilícitos de armas.
Nunca subestime o poder da clareza factual, legal e moral. Os factos, por si só, podem e devem levar à acção. Quando sinais vermelhos aparecem, esses devem desencadear uma resposta imediata.
É por isso que o trabalho deste Conselho e de outros mecanismos de direitos humanos é tão importante.
Embora não possamos dizer exactamente quanta morte e sofrimento foram evitados por esses esforços, sabemos que eles fazem a diferença.
Em segundo lugar, os direitos humanos têm a ver com a lei, que é um travão ao poder, ao privilégio e ao lucro desenfreado. Algumas coisas não estão à venda.
As nossas estruturas e instituições jurídicas internacionais, incluindo o Tribunal Penal Internacional, são fundamentais para garantir a justiça e a responsabilização pelos crimes mais graves, prevenindo futuras violações e tornando o mundo mais seguro para todas as pessoas.
Igualmente importantes são instituições fortes a nível nacional, para proteger pessoas vulneráveis e permitir que todos participem mais plenamente na vida cultural, religiosa, social, económica e pública.
É imperativo que defendamos essas instituições quando forem atacadas.
Excelências, ilustres delegadas e delegados,
Em suma, os direitos humanos não são nada sem compaixão - a força que nos une na nossa humanidade comum.
Raramente ouvimos falar de compaixão por parte dos líderes de hoje. Mas alguns dos visionários mais bem-sucedidos da história, incluindo Nelson Mandela e Eleanor Roosevelt, lideraram através da sua notável compaixão.
Os direitos humanos vão além da liderança de pensamento para a liderança de coração. Eles exploram alguns dos nossos ideais mais queridos, falando sobre como as pessoas devem tratar-se umas às outras e sobre o significado da dignidade humana.
Por esse motivo, eles são extremamente populares.
Os direitos humanos têm sido fundamentais para os movimentos por igualdade e justiça ao longo da história, desde as lutas antiescravagistas, antirracistas e antiapartheid até ao movimento trabalhista, da descolonização ao movimento pelos direitos civis, o movimento das mulheres, a igualdade no casamento e o movimento LGBTIQ+, o Black Lives Matter, o movimento pelos direitos indígenas, o movimento pelos direitos das pessoas com deficiência, o movimento pela justiça climática e muito mais.
Os direitos humanos têm o poder universal de levar as pessoas à acção.
Em países onde os direitos humanos não são amplamente respeitados, as pessoas arriscam as suas vidas para defendê-los. E quero prestar homenagem aos corajosos activistas e defensores dos direitos humanos em todos os lugares.
É por isso que até mesmo os governos mais repressivos costumam usar a linguagem dos direitos humanos para tentarem justificar-se. Eles sabem que as violações dos direitos humanos provocam repulsa e reduzem o seu poder e influência.
A defesa dos direitos humanos faz todo o sentido para a estabilidade, para a prosperidade e para um futuro comum melhor.
Os direitos humanos são uma proposta vencedora para a humanidade.
Continuaremos a promover, proteger e defender os direitos humanos em todo o mundo, com humildade, determinação e esperança indomável.
Discurso de
