Estou em África para lembrar a comunidade internacional de agir pela natureza
De Abdulla Shahid, Presidente da 76ª sessão da Assembleia Geral da ONU
Para aqueles de nós que vivem perto do oceano, as alterações climáticas não são uma ameaça iminente – é um perigo claro e presente. Já fomos forçados a investir em medidas de mitigação e a modificar os nossos estilos de vida e meios de subsistência em resposta. As gerações futuras herdarão os fardos da nossa inacção, a menos que a comunidade internacional faça finalmente o que é responsável: ouvir a ciência e agir para minimizar o impacto humano no clima e no ambiente.
Como Presidente da 76ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas, escolhi a "esperança" como tema para a minha Presidência, porque, embora os nossos desafios sejam sempre assustadores, é a esperança que serve de trampolim e acende o engenho humano para procurar soluções quando tudo parece evasivo. E as Nações Unidas devem servir de guia para procurar soluções e defender a sua implementação.
Responder às necessidades do planeta é um dos cinco pilares da minha Presidência da Esperança – juntamente com a recuperação da pandemia, a reconstrução sustentável, o respeito pelos direitos de todos e todas e a revitalização das Nações Unidas.
Tenho o prazer de visitar a Costa do Marfim e Angola, de 9 a 14 de maio, para reunir-me com o Governo, funcionários das Nações Unidas, mulheres e jovens, e comunicar os cinco pilares da minha Presidência da Esperança.
Irei participar na 15ª sessão da Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação (UNCCD), em Abidjan. O tema deste ano "Terra. Vida. Legado: Da escassez à prosperidade” é um apelo à acção para garantir que a nossa terra permaneça saudável e produtiva para as gerações actuais e futuras.
A seca não é apenas a ausência de água. É frequentemente o resultado da degradação da terra, das alterações climáticas e do uso insustentável da água doce. Embora as secas tenham existido muito antes da revolução industrial, a ciência mostra que a actividade humana tem exacerbado consideravelmente este problema, resultando em escassez de água e alimentos, incêndios florestais, deslocamento de famílias, perda de vidas humanas e animais e repercussões económicas.
Enquanto estiver em África, também visitarei Angola. Quero manifestar a minha solidariedade para com o Governo e com as pessoas que, apesar de algumas chuvas, estão no meio da pior seca registada em 40 anos. Ouvirei as histórias das pessoas directamente afectadas. As mulheres são as mais vulneráveis às alterações climáticas, e muitas vezes têm o fardo mais pesado deste impacto. Mas também são guerreiras das alterações climáticas e devem ser incluídas em qualquer tomada de decisão.
Infestações de gafanhotos e a seca nas províncias do Sudoeste de Huíla, Namibe e Cunene, em Angola, colocaram cerca de 1,6 milhões de pessoas em risco de fome severa, segundo o Programa Alimentar Mundial (PAM) da ONU.
A seca – aliada à pandemia COVID-19 e à mudança dos padrões climáticos – estão a inverter os ganhos que Angola tem feito para alcançar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas e a melhorar a vida das pessoas neste país.
Pode parecer fora de contexto para um homem como eu, que vem de um arquipélago insular rodeado de oceano, escrever sobre a seca. Venho das Maldivas, uma nação com cerca de 1.190 ilhas no Oceano Índico, onde as inundações devido à chuva são o evento natural mais frequente. As ilhas do meu país estão lentamente a ser ultrapassadas pela água. Ao ritmo actual do aquecimento global, acredita-se que quase 80% das Maldivas poderão ser inabitáveis em 2050.
No entanto, apesar de estar rodeado de água do mar, a maior parte do país sofre de falta de água potável. Não temos rios ou ribeiros permanentes nas Maldivas, e a lente de água doce de quase todas as ilhas sofre de intrusão de sal e uso excessivo. O país mudou para água dessalinazada, que é dispendiosa e de consumo intensivo de energia.
Um dos tópicos que abordarei na COP15 sobre a Desertificação na Costa do Marfim é a importância da comunidade internacional fornecer urgentemente soluções holísticas e bem abrangentes. Sabemos o que é preciso fazer, mas precisamos da vontade política para que isso aconteça.
Irei também relembrar que a questão da adaptação da desertificação está interligada ao combate às alterações climáticas, à manutenção da biodiversidade e ao apoio para acabar com a pobreza – que estão ligadas aos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.
A Conferência das Partes sobre a desertificação surge no início da Década das Nações Unidas para a Restauração dos Ecossistemas, que começou em 2021. É um grito de mobilização para a protecção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, em benefício das pessoas e da natureza.
No dia 17 de junho, assinalamos o Dia Mundial do combate à Seca e à Desertificação. Este dia internacional tem três objectivos: promover a sensibilização do público para a desertificação e a seca; fazer com que as pessoas saibam que a desertificação e a seca podem ser combatidas eficazmente; e reforçar a aplicação da Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação em países que sofrem de seca severa e/ou desertificação, nomeadamente em África.
Durante o meu tempo como Presidente da Assembleia Geral, a comunidade internacional terá de se reunir em reuniões de alto nível sobre biodiversidade, desertificação, oceano, energia e clima. Para ter um olhar mais holístico sobre todas estas questões interligadas, em julho, convocarei um Momento para a Natureza na Assembleia Geral. Esta será uma oportunidade importante para a comunidade internacional olhar colectivamente para as nossas conquistas e planear com antecedência como abordar as lacunas e as deficiências.
A minha mensagem para a comunidade internacional é uma que tenho vindo a repetir - temos de agir agora, enquanto ainda temos a esperança de inverter os danos que fizemos à natureza e ao ambiente. Temos os recursos. Somos capazes. Vamos reunir a vontade. Devemos isso às gerações futuras.