Refugiados da RDC regressam a casa para recomeçar a vida
A 16 de Agosto, Terese e Miche, Roger e Nella regressaram ao país de origem, a República Democrática do Congo (RDC), depois de cinco anos refugiados em Angola.
No assentamento do Lôvua, um grupo de amigos encontra-se à volta da fogueira, com os donos da casa, Miche Mazela Kusa e de Terese Kitembe, no centro das atenções. Afinal, o casal e os dois filhos têm, muito em breve, viagem marcada de regresso à RDC.
“Fugi ao conflito, mas agora há paz e segurança, por isso regresso”, diz Miche, referindo-se aos conflitos étnicos e políticos que, em 2017, afectaram a província do Kasai e levaram cerca de 35 mil pessoas a procurar refúgio em Angola. Inicialmente, Miche não acreditava que a guerra atingisse Kamako (cidade do Kasai junto à fronteira, onde vivia), mas milícias acabaram por chegar. Morreram pessoas próximas, o próprio exército começou a fugir e, nessa altura, Miche e a mulher perceberam que tinham de sair dali. Vieram sem nada.
Agora, cinco anos depois, Miche e Terese regressam à RDC integrados num repatriamento organizado, do lado de Angola, pela Agência da ONU para os Refugiados (ACNUR), pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), Governo de Angola e parceiros. Uma operação que é financiada pelo Fundo de Construção da Paz da ONU, que pretende ajudar os governos a responder ao fluxo de refugiados e migrantes, melhorar a gestão das fronteiras e procurar soluções duráveis. O repatriamento é uma dessas soluções duráveis e, desde que recomeçou, em Julho deste ano, já ajudou 670 refugiados congoleses a regressar.
“Faltam ainda algumas semanas, mas para mim parecem meses”, diz Terese. O marido também está ansioso: “Chego a ter dificuldades em comer, porque a expectativa era já estar no Congo”.
Regresso ao país, regresso ao trabalho
Miche e Terese passaram estes anos em Angola no assentamento do Lôvua. Mas não estiveram parados. Miche já era agricultor na RDC (“sou apaixonado pela agricultura”, diz) e, aqui em Angola, continuou a trabalhar a terra, com a ajuda da mulher. Uma forma de sustentar a família, para além do apoio dado pelo ACNUR.
“Foi benéfico continuar a trabalhar. Foi interessante, sobretudo pela experiência”, diz Miche, sublinhando as formações que foi tendo ao longo destes anos, no assentamento, e que lhe permitiram aprender novas técnicas agrícolas, como a utilização de fertilizantes químicos.
Esta paixão pela agricultura é partilhada por Roger Kilabi Kilabi. Este refugiado, que também está a regressar à RDC, estudou Agronomia no país natal e fez da agricultura profissão. Durante nestes cinco anos em que foi refugiado em Angola, plantou mandioca, cebola, cenoura e batata-doce. Mas com alguns desafios. “Esta terra é pobre e pobre e temos de forçar para que produza”, explica.
Roger deu formação agrícola a outros refugiados do assentamento num programa da Ajuda de Desenvolvimento de Povo para Povo (ADPP). E também beneficiou dos programas deste parceiro do ACNUR, ao receber ferramentas agrícolas e sementes. “Fui também recebendo pessoas em casa que me pediam conselhos, sobretudo sobre estufas e viveiros.”
De regresso à RDC quer procurar um pedaço de terra para continuar a trabalhar. “Vou fazer um estudo para perceber se a terra é boa e depois comprar o terreno.” Outro desafio vai ser procurar casa. "Primeiro vou ficar na casa da minha família, depois vejo para onde ir", diz, explicando que tem “uma grande família e estão todos preparados para a chegada”.
Voltar a estudar
Depois da chegada à RDC, estes refugiados recebem um pacote de assistência em dinheiro para cobrir necessidades básicas como a primeira renda, alimentos e higiene pessoal. O ACNUR também apoia a reintegração, por exemplo ao ajudar os jovens a matricularem-se na escola.
Nella Bambemba pode precisar deste apoio. “No Congo estava a estudar enfermagem, num instituto em Kikwit”, diz a jovem, de 25 anos, referindo-se à cidade para onde vai regressar. Acabou por deixar a educação a meio quando fugiu para Angola com os pais, em 2017. “Quero acabar o curso e sustentar os meus filhos.” Nella tem quatro filhos, um deles ainda bebé.
A decisão de regressar deve-se também a uma tragédia que se abateu na família. O pai de Nella morreu no assentamento, depois de ter sido mordido por uma cobra. “Na nossa tradição, como o meu pai morreu temos de levar a informação à família”, explica.
O pai era também quem sustentava Nella, a mãe e os irmãos durante o refúgio em Angola e agora sentem-se em grandes dificuldades. Por isso, ao chegar à RDC, Nella também vai procurar emprego. Gostava de ser vendedora ou então pôr em prática a formação em ajuda comunitária e gestão de conflitos, que fez no assentamento, para trabalhar numa ONG.
Saudades de Angola
No dia da viagem, as emoções estão à flor da pele. Todos os que vão regressar concentram-se junto ao Centro de Partidas, no assentamento do Lôvua, e aguardam serem chamados para entrarem no autocarro que os vai levar até à fronteira. À volta, centenas de outros refugiados vieram para as despedidas. Há acenos, há lágrimas e, à saída do assentamento, há jovens dos dois lados na estrada a tentar acompanhar os autocarros até ao mais longe possível.
Roger veio de gravata, a mostrar a importância do momento, e não esconde um grande sorriso com a perspectiva do regresso. “O Congo é o meu belo país”, diz Roger. “Sinto-me bem e não tenho medo porque estou a regressar num repatriamento organizado.”
Nella concentra todas atenções no bebé que traz ao colo. É por trazer um bebé de meses que, em vez de viajar num autocarro, vai num carro à parte, com acompanhamento médico. Esta atenção é dispensada a todos os vulneráveis (como mães que amamentam, doentes e idosos). Os doentes crónicos levam com eles medicamentos para os três meses seguintes.
Mas as emoções mais fortes sentem-se na família de Miche e Terese. Afinal têm dois filhos que passaram aqui a adolescência: Narcisse de 19 anos e Gedeon de 22. “Estou ansioso e um pouco nervoso”, diz Gedeon. Nestes cinco anos, estudo segundo o currículo angolano (em português) e também aprendeu inglês no centro de línguas do assentamento. E claro, fez as amizades próprias da idade depois de ter perdido os amigos de infância na RDC "porque fugiram todos."
Também os pais, Miche e Terese, não mantiveram quaisquer contactos na RDC, nem da família, nem de amigos. “Não sei exactamente onde é que eles estão, mas quero procurar a minha irmã mais nova”, diz Terese.
Em Angola, estes anos foram facilitados pelos amigos que foram fazendo no assentamento, também eles refugiados. Terese deixa duas grandes amigas e Miche um amigo de infância, com quem fugiu do Kasai em 2017 e que decidiu ficar em Angola. “Vou ter saudades das pessoas com quem passei bons momentos”.
Apesar das dificuldades, Miche está decidido: “Não tenho hesitações. Vou para casa!”.